Análise da Proposta de Lei Angolana sobre a Disseminação de Informações Falsas na Internet

Imagem: PTI

Por Friends of Angola

Introdução

A “Proposta de Lei sobre a Disseminação de Informações Falsas na Internet”, apresentada pelo Ministério das Telecomunicações, Tecnologias de Informação e Comunicação Social de Angola, procura criar um quadro legal para combater a propagação de fake news no espaço digital angolano. A seguir, apresentamos uma análise crítica da proposta e, em seguida, uma comparação com legislações similares em outros países africanos e no contexto internacional.

1. Objetivo e Justificativa

O relatório de fundamentação indica que o objetivo central é “proteger a sociedade contra os efeitos nocivos da desinformação”, especialmente no contexto do uso crescente das redes sociais e da internet. Aponta a vulnerabilidade do público e a necessidade de responsabilização de indivíduos e entidades que deliberadamente difundem informações falsas.

2. Definição Ambígua de “Informações Falsas”

A proposta carece de uma definição precisa e objetiva de “informações falsas”. Isto pode abrir espaço para interpretações amplas e subjetivas, o que representa um risco para a liberdade de expressão e o jornalismo investigativo. Em democracias, mesmo informações controversas ou incorretas são, em muitos casos, protegidas por normas que garantem a liberdade de expressão.

3. Sanções e Responsabilidade Penal

A proposta prevê sanções penais severas, incluindo multas e prisão para quem divulgar conteúdos considerados falsos. Tal abordagem penalista é criticada por especialistas internacionais por não atacar as causas estruturais da desinformação, como a falta de literacia mediática ou o fraco ecossistema de mídia pública.

4. Fiscalização e Competência

A proposta não deixa claro qual entidade terá a competência para verificar, julgar e aplicar sanções, nem quais os mecanismos de recurso disponíveis para cidadãos ou organizações afetadas. Isso pode levar à politização da regulação da informação.

5. Riscos à Liberdade de Expressão

A proposta pode facilmente ser instrumentalizada para censurar críticas ao governo, sob o pretexto de combater desinformação. Este é um padrão já observado em vários países com regimes autoritários.

Estudo Comparativo

Quênia – Computer Misuse and Cybercrimes Act (2018)

  • Criminaliza a disseminação de “fake news”.
  • Tem sido amplamente criticada por jornalistas e defensores de direitos humanos por ser usada para silenciar críticos.
  • A Suprema Corte declarou alguns trechos inconstitucionais por violarem a liberdade de expressão.

Nigéria – Protection from Internet Falsehoods and Manipulations Bill (2019, rejeitado)

  • Inspirado na lei de Singapura, previa poderes amplos ao governo para remover conteúdos considerados falsos.
  • Foi rejeitada após intensa mobilização da sociedade civil e mídia independente, que alertaram para os riscos de censura e repressão política.

África do Sul – Draft Online Content Regulation Policy (2020)

  • Foca mais na regulação de plataformas e promoção da literacia digital do que na criminalização direta.
  • Incentiva a autorregulação com envolvimento de plataformas e ONGs.

União Africana – Declaração de Princípios sobre Liberdade de Expressão e Acesso à Informação (2019)

  • Alerta que as leis contra fake news não devem restringir desproporcionalmente a liberdade de expressão.
  • Exorta os Estados a promoverem transparência governamental, acesso à informação e educação mediáticacomo meios de combater a desinformação.

Recomendações para Reforçar a Proposta

  1. Rever a definição de “informação falsa” para incluir critérios objetivos e proteger a crítica legítima e a sátira.
  2. Substituir sanções penais por mecanismos civis e administrativos, priorizando a correção da informação e o direito de resposta.
  3. Criar um órgão independente, multissetorial (governo, sociedade civil, mídia, plataformas digitais) para monitoramento e recomendações.
  4. Investir em campanhas de literacia digital e transparência governamental, como métodos preventivos.
  5. Promover o debate público e a participação da sociedade civil no processo legislativo, garantindo legitimidade democrática.

Tabela técnica comparativa

Nota técnica comparativa que destaca os principais elementos da proposta de lei angolana sobre “fake news” em relação a experiências semelhantes em outros países africanos e à normativa da União Africana:

 

País / Entidade

Instrumento Legal

Sanções Previstas

Críticas / Riscos

Recomendações / Abordagem Alternativa

Angola (Proposta)

Proposta de Lei sobre Disseminação de Informações Falsas

Multas e prisão por divulgar fake news

Risco elevado à liberdade de expressão e uso político

Rever definição de fake news, criar órgão independente

Quênia

Computer Misuse and Cybercrimes Act (2018)

Prisão e multa; trechos declarados inconstitucionais

Usada contra jornalistas e críticos do governo

Revisão judicial de partes inconstitucionais

Nigéria

Protection from Internet Falsehoods and Manipulations Bill (2019)

Previa prisão e censura, mas foi rejeitado

Rejeitada por ameaçar a liberdade de imprensa

Promover educação cívica e transparência estatal

África do Sul

Draft Online Content Regulation Policy (2020)

Sem sanções penais; foco em autorregulação

Mais equilibrada; riscos menores de censura

Foco em literacia digital e co-regulação com sociedade civil

União Africana

Declaração de Princípios sobre Liberdade de Expressão (2019)

Não prevê sanções; recomendações normativas

Enfatiza proteção de direitos e proporcionalidade

Educação mediática, acesso à informação, sem criminalização

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