Por Florindo Chivucute | Director Executivo da Friends of Angola
Luanda, 25 de Maio de 2025
Após quase meio século no poder, o MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola) enfrenta o maior desafio da sua história: uma crise de legitimidade perante um povo exausto de promessas não cumpridas, de uma economia sufocada, de uma corrupção enraizada e de um sistema político que se mostra mais preocupado em perpetuar-se do que em servir os cidadãos.
As eleições gerais de 2022 deixaram claro que os ventos mudaram. Com 51,17% dos votos, o MPLA assegurou a vitória mais apertada desde a introdução do multipartidarismo. Já a UNITA (União Nacional para a Independência Total de Angola), com 43,95%, protagonizou uma ascensão surpreendente — especialmente em Luanda, onde conquistou uma vitória simbólica e significativa. Esse resultado expressa o despertar de uma juventude urbana, conectada e politicamente consciente, que se recusa a aceitar a estagnação como destino.
A crise que Angola atravessa é profunda e multifacetada. Em 2024, a inflação acumulada foi de cerca de 20,8%, refletindo o aumento dos preços dos alimentos e combustíveis. O desemprego atinge oficialmente 32,3%, da população ativa, com índices superiores a 50% entre os jovens. O custo de vida pressiona famílias de todas as camadas sociais, enquanto a economia informal torna-se a única alternativa para milhões.
No centro dessa crise está uma dívida externa esmagadora, sobretudo com a China. Angola tornou-se o maior devedor africano de Pequim, acumulando uma dívida superior a 20 mil milhões de dólares, grande parte contraída sob o modelo “recursos por empréstimos”, em que petróleo foi trocado por financiamento. Essa fórmula comprometeu a soberania orçamental: hoje, cerca de 60% das receitas petrolíferas são utilizadas no serviço da dívida, em detrimento de investimentos sociais.
Apesar de renegociações pontuais, o país permanece vulnerável a choques externos, com um Estado limitado tanto fiscalmente quanto institucionalmente — e a corrupção continua sendo um fator corrosivo. As promessas de moralização feitas por João Lourenço, desde 2017, renderam manchetes, mas poucos resultados estruturais. As ações anticorrupção revelaram-se seletivas, muitas vezes motivadas por disputas internas, enquanto a impunidade segue intocável no coração do poder.
Em meio a esse cenário, o MPLA propôs alterações à Lei Orgânica sobre as Eleições Gerais que, longe de reforçar a democracia, levantam sérias suspeitas. Entre as mudanças, está (1) a centralização da contagem dos votos em Luanda, (2) a exclusão dos delegados de lista — figuras-chave para a fiscalização partidária nas assembleias de voto, (3) propõe que o Bilhete de Identidade (BI) seja o único documento válido para votar em Angola, e (4) Propõe a eliminação das atas-síntese nas assembleias de voto.
O discurso oficial fala em “profissionalização” e “despartidarização”, mas o que se vê é uma clara redução dos mecanismos de escrutínio e controle democrático. A nova configuração dá ainda mais poderes à Comissão Nacional Eleitoral, cuja composição segue fortemente condicionada pelo Executivo. Mudar as regras do jogo quando se começa a perder não é reforma — é manipulação.
A UNITA apresentou uma proposta alternativa que inclui medidas para aumentar a transparência, como a publicação imediata dos resultados nas assembleias de voto. Organizações da sociedade civil, como a Friends of Angola e o muitas outras, têm se manifestado contra o retrocesso democrático embutido nas alterações propostas.
A mensagem das ruas e das urnas é clara: os angolanos — sobretudo os mais jovens — querem mais do que votar. Querem que o seu voto tenha peso. Querem instituições sólidas, justiça imparcial, oportunidades reais, e um governo que sirva, não que se sirva.
O declínio do MPLA não é apenas eleitoral — é ético, institucional e social. Mas este momento de viragem pode ser também uma oportunidade: a chance de refundar o pacto democrático, de reequilibrar o poder, de abrir espaço à cidadania e à alternância.
Angola está num ponto de inflexão. A democracia está em jogo. E o mundo está a observar.