Foto de Fabrizio Velez
CARTA ABERTA CONJUNTA DE ORGANIZAÇÕES DA SOCIEDADE CIVIL ANGOLANA
À FEDERAÇÃO ARGENTINA DE FUTEBOL (AFA) E À SUA SELEÇÃO NACIONAL
Luanda, 19 de Agosto de 2025
Destinatários:
- A Sua Excelência, Lionel Andrés Messi Cuccittini
- Aos Jogadores da Seleção Nacional de Futebol da Argentina
- À Associação do Futebol Argentino (AFA)
- À Comissão Técnica da Seleção Argentina
Assunto: Apelo ao Cancelamento do Jogo Amistoso com a Seleção Nacional de Angola (Palancas Negras)
Excelentíssimos Senhores,
Com os nossos respeitosos cumprimentos,
As organizações subscritoras — Comissão Episcopal de Justiça e Paz e Integridade da Criação da CEAST, Pro Bono Angola, Associação Justiça, Paz e Democracia (AJPD) e Friends of Angola (FoA) — vêm, por meio desta carta aberta, manifestar profunda preocupação e apelar ao cancelamento do jogo amistoso entre a Seleção Nacional da Argentina e os Palancas Negras, previsto para novembro de 2025, no Estádio 11 de Novembro, em Luanda, como parte das comemorações dos 50 anos da independência de Angola.
CANCELAMENTO DO JOGO AMISTOSO ENTRE ANGOLA E ARGENTINA
Este apelo não se opõe ao desporto nem aos laços de amizade entre os povos. Pelo contrário, trata-se de um grito de consciência diante da dolorosa realidade vivida por milhões de angolanos — uma realidade que contrasta de forma chocante com a ostentação e os gastos milionários envolvidos na organização deste evento.
Um País em Crise Alimentar e Social
Segundo o relatório SOFI 2025 – O Estado da Segurança Alimentar e Nutrição no Mundo, mais de 27 milhões de angolanos (cerca de 71,4% da população) não tiveram acesso a uma dieta saudável em 2024. A subnutrição afeta 22,5% da população — aproximadamente 8,3 milhões de pessoas.
Enquanto recursos públicos são canalizados para eventos desportivos de grande porte, milhares de crianças e adultos enfrentam fome crónica, anemia severa e insegurança alimentar generalizada.
Repressão em Vez de Diálogo
A grave crise social ocorre num ambiente político marcado pela repressão sistemática contra cidadãos que expressam pensamento crítico. Embora Angola se apresenta como uma democracia de economia livre, apenas um grupo selecto de cidadãos, maioritariamente ligados ao MPLA — partido que sustenta o Governo — usufruem dos negócios e têm acesso às linhas de crédito.
Apesar de o país possuir uma enorme quantidade de riquezas naturais — petróleo, minerais, biodiversidade, recursos hídricos e mais de 11 milhões de hectares de terras aráveis — a esmagadora maioria da população vive em extrema pobreza e não usufruem dessas mesmas riquezas.
Durante apenas três dias de protestos (28 a 30 de julho de 2025), a Polícia Nacional registou pelo menos 30 mortos, mais de 277 feridos e cerca de 1.515 detenções.
Esse cenário inclui:
- Prisões arbitrárias de jornalistas, ativistas e manifestantes pacíficos
- Uso excessivo da força policial, com relatos de execuções sumárias
- Criminalização da liberdade de expressão e da mobilização cívica, sobretudo entre os jovens
Tais abusos são amplamente documentados por organizações como Human Rights Watch, Amnesty International e relatores especiais das Nações Unidas. Revelam um Estado que silencia vozes dissidentes em vez de ouvi-las — uma lógica de controlo político, não de compromisso com a justiça e a dignidade.
O Amistoso como Instrumento de Propaganda
O jogo contra a seleção argentina está a ser promovido como parte das celebrações dos 50 anos da independência. No entanto, não representa uma comemoração inclusiva para o povo angolano. Pelo contrário, converte-se num instrumento de propaganda política, usado para encobrir violações e desviar a atenção da grave crise social.
Investir milhões de dólares num evento desportivo, enquanto milhares passam fome, hospitais colapsam e a repressão se intensifica, não é uma prioridade legítima — é um insulto à dignidade humana.
Apelo à Consciência
Senhor Messi, Senhores da AFA e jogadores da seleção argentina:
O vosso talento inspira milhões e ultrapassa fronteiras. A vossa presença em Angola teria um enorme peso simbólico. Por isso mesmo, a recusa em participar neste jogo seria um gesto nobre de solidariedade internacional e de respeito pelos direitos humanos.
Não se trata de política, mas de princípios.
O cancelamento deste amistoso seria um acto corajoso, ético e profundamente humanitário — uma mensagem clara ao mundo de que a justiça, a dignidade e a igualdade valem mais do que qualquer espetáculo desportivo financiado com o sofrimento de um povo.
Com a mais elevada consideração,
As Organizações Subscritoras:
- Comissão Episcopal de Justiça e Paz e Integridade da Criação da CEAST
- Pro Bono Angola
- Associação Justiça, Paz e Democracia (AJPD)
- Friends of Angola (FoA)