A sucessão de José Eduardo dos Santos (JES) está em curso, no futuro será apenas formalizada.
Essa agenda está a ser implementada no contexto dum regime em que o seu líder é efectivamente o Estado, é o regime de JES-Estado em que José Eduardo dos Santos governa o país como uma propriedade pessoal.
1- Há muito que é evidente que a agenda pessoal do Presidente da Republica de Angola, José Eduardo dos Santos, tem como meta garantir a preservação do império financeiro e político faraónico do seu clã, pela passagem da liderança do seu regime a um dos seus membros.
2- Também é evidente que dos membros do clã do Presidente JES é a sua filha Isabel dos Santos quem está em posição mais avançada para lhe suceder. É evidente que Isabel dos Santos é aquela a quem efectivamente o pai Presidente da Republica passou maior poder económico e politico.
3- A percepção da sucessão de JES pela sua filha Isabel dos Santos vem sendo de forma progressiva alimentada por evidencias que indiciam que, além duma hipótese, essa é a agenda do Presidente JES em curso. Uma agenda já num momento em que ainda que actos para a sua implementação constituam violações graves e flagrantes da lei, as instituições do poder judicial com a obrigação de proceder em conformidade com a lei, convenientemente não agem.
4- Prevalece um obstáculo político, a superar por JES, devido ao facto de Isabel dos Santos não integrar a direcção do MPLA. Esse aspecto influencia as leituras porque, por enquanto, constitui de facto um empecilho político importante a resolver. Mas considerando as referências do passado, como podemos prever, esse não é um empecilho absolutamente insuperável porque (i) a alteração dos estatutos do partido de JES no poder,MPLA, é possível e (ii) a hipótese do Presidente JES recorrer a soluções atípicas para eliminar esse empecilho não é descartável como podendo ser a forma de remoção por JES desse empecilho.
5- Entretanto a agenda de sucessão do Presidente JES está a ser realizada num contexto produzido pela prática sistemática de violações impunes da lei por dirigentes e agentes dum regime caracterizado pela opacidade, pela indução da percepção distorcida da realidade e pela ocultação das verdadeiras agendas, intenções e actos do seu Presidente. Nesse contexto a análise não deve descartar e ou sub-avaliar nem essas referências perversas, nem as leituras subliminares da imbricação de actos, declarações e omissões da liderança que arquitectou a longa metamorfose do regime do MPLA-Estado (1975-90) no actual regime de JES-Estado. Mutação gerada durante a suposta e longa transição para democracia que lhe foi imposta (1990) na conjuntura em que, enquanto seu dirigente máximo, sofreu a derrota do regime autoritário instaurado após a proclamação da independência de Angola. Autoritarismo a que efectivamente retornou, desta feita mascarando-o com uma farsa da democracia.
6- Factos/actos recentes e relevantes a considerar sobre a sucessão em curso de José Eduardo dos Santos
a) Isabel dos Santos foi pelo Presidente JES, seu pai, nomeada para PCA da empresa pública Sonangol, a empresa que governa a principal fonte de rendimentos de Angola, o petróleo.
b) Isabel dos Santos tomou posse como PCA da Sonangol, apesar dum grupo de advogados idóneos ter entregue ao Tribunal Supremo uma providência cautelar que deveria ter efeito suspensivo dessa tomada de posse.
c) Decorrido o tempo regulamentar para o TS proceder – até à data de hoje – não há noticia de que TS, tenha reagido à providencia cautelar.
d) A Sonangol não é a única fonte de rendimentos que Isabel dos Santos gere. O cargo de PCA da Sonangol foi só a sua ultima aquisição de poder. Isabel dos Santos é a maior empresária de Angola. É a empresaria que mais cresceu após ter sido implantada a economia de mercado no país, tendo esse crescimento decorrido durante o longo exercício da Presidência da República pelo seu pai. O seu império empresarial é vasto e tem dimensão internacional. Desse peso económico resulta obviamente grande acumulação de poder politico pela filha do Presidente JES.
7- Referencias pertinentes a considerar.
a) O controle sobre a fonte principal de rendimentos do país, o petróleo, foi e é uma das componentes principais de sustentação do poder político de JES, e, especialmente, da hegemonia que estabeleceu sobre o MPLA e sobre o Estado.
b) Não podemos ignorar que os rendimentos do Estado gerados pela exportação de petróleo foram e serão a fonte principal de sustentação financeira dos principais pilares do regime do Presidente JES: as forças de defesa, a segurança do estado e o partido MPLA.
c) Num regime como o de JES quem tem o poder de controle dos rendimentos com que são financeiramente sustentados esses pilares principais do regime, tem obviamente nas mãos o instrumento essencial à garantia da lealdade e da obediência dos que comandam as forças de defesa e segurança, assim como dos que ao mais alto nível dirigem o partido no poder desde a proclamação da independência de Angola, o MPLA. É assim porque, obviamente, quem controla esses rendimentos é quem efectivamente paga tudo e a todos que integram essas estruturas.
8 – Evidências e leituras óbvias.
a) Evidentemente, a colocação pelo Presidente JES da Sonangol nas mãos da sua filha, faz dela a sua herdeira da lealdade e da obediência que tem dessas componentes essenciais à sustentação do seu regime, cujo controle foi sempre sua reserva exclusiva.
b) A nomeação de Isabel dos Santos para PCA da Sonangol deve ser avaliada também em combinação com o facto de, enquanto Directora da Urbinvest, também lhe ter sido entregue a condução do (PDGL) Plano Director Geral de Luanda, a capital de Angola, com cerca de de oito a nove milhões de habitantes. Ora, considere-se, o urbanismo é essencialmente político e a execução desse plano consubstanciará uma intervenção política-económica-administrativa directa sobre a população da Cidade de Luanda, em todos os aspectos, níveis, sentidos e com efeitos estruturantes da hegemonia do seu poder sobre o país.
9- Conclusão
a) A acumulação crescente de influência económica e política por Isabel dos Santos, agora mais evidenciada pelo controle da principal fonte de rendimentos públicos, combinada com a sua condução de processos políticos e administrativos estruturantes do poder e do país e da sua economia, revela que a agenda de sucessão de JES deixou de ser um assunto do futuro. Portanto, obviamente, a sucessão do Presidente JES não é um assunto deixado por ele para ser resolvido pelo MPLA no momento em que estiver prestes a deixar de ser o Presidente da República ou no momento em que deixe de o ser.
b) Como a leitura dos factos leva a concluir, essa sucessão prática decorre progressivamente de forma não declarada mas efectiva. No futuro, porque doutro modo não pode ser, como tudo indica, a sucessão de JES será apenas formalizada e é previsível que com a aprovação, democrática, pelas instancias dirigentes do seu partido.
c) Também é relevante para esta análise o facto de Isabel dos Santos ter sido empossada no cargo de PCA da Sonangol após o Presidente JES ter revelado a intenção de se retirar da vida política activa em 2018, anunciando assim para breve (horizonte de dois anos) o momento da sua sucessão formal.
d) Perante essas evidencias é incontornável a percepção de que estamos perante a efectiva passagem por JES de poder económico, político e administrativo à sua filha Isabel dos Santos.
Porto – 21 de Outubro de 2016
Luiz Araújo*
* Ativista Defensor dos Direitos Humanos – Técnico de desenvolvimento comunitário -Ceramista – Músico.