Milhares de angolanos procuraram na última semana por atendimento médico num navio-hospital chinês, aguardando horas a fio junto ao porto de Luanda, na esperança de resolverem problemas de saúde que, na generalidade, não conseguiram tratar nos hospitais nacionais.
Só desde quinta-feira, na sua primeira missão em Angola, o navio-hospital “Peace Ark”, da Marinha do Exército de Libertação Popular da China, recebeu mais de 5.500 angolanos, para consultas e cirurgias gratuitas.
Bernardo Santiago chegou pelas 06:00 de hoje ao porto de Luanda, onde o navio está atracado, e três horas depois aguardava pela sua vez, no meio da multidão, para tentar tratar problemas na coluna, nos membros inferiores e no peito.
Ficou a saber da presença do navio pelos órgãos de comunicação social e resolveu aproveitar a oportunidade, até porque não tem encontrado solução para o seu caso, mesmo fazendo consultas numa clínica privada do país.
“Eu tenho feito consultas na [clínica da] Endiama, mas os pacotes são limitados, e uma vez que em Angola a saúde é escassa, aparece essa oportunidade dos chineses e todo o mundo quer aproveitar. Porque aqui temos tantas infraestruturas, no que concerne aos hospitais, mas não temos homens formados”, queixou-se.
Aguardando pacientemente na fila, entre dezenas de pessoas, Beatriz Pereira da Conceição procurava por atendimento no navio-hospital chinês para o filho, que apresenta problemas de saúde e constantes dores de cabeça há já algum tempo, sem solução até agora.
“Diagnosticaram um glaucoma simples, passado algum tempo consultei mais alguns médicos, porque ele não consegue ouvir barulho, o que é que acontece, dizem que ele não tem glaucoma. Eu queria aproveitar essa oportunidade [navio chinês] porque eu não tenho valores para ir para fora”, lamentou.
Já à saída do navio, a Lusa falou Emílio Júnior, que esperou oito horas na fila para ser “bem atendido”, amenizando o problema das dores na coluna: “Só custou na hora de entrar, mas dentro não fez nem 30 minutos”.
Entre 19 e 25 de outubro foram atendidas naquele navio-hospital 5.530 pessoas e realizadas 14 operações cirúrgicas, além do intercâmbio académico com profissionais de saúde do Hospital Geral de Luanda, do Hospital da Marinha de Guerra angolana e do Instituto Confúcio da Universidade Agostinho Neto.
Paulo Tiago faz parte do grupo que chegou a ser alvo de cirurgia a bordo do navio. Foi operado a uma catarata, no mesmo dia em que foi detetada a patologia.
“Já há muito tempo [que tinha o problema], eu usei sempre óculos, nunca ninguém me disse que eu tinha aquilo ali por dentro. Cheguei aqui, eles detetaram e prontamente disseram que tinha que ser operado”, explicou.
Para Paulo Tiago, o número elevado de pessoas que procuraram pelo serviço médico do navio tem a ver com a qualidade no atendimento.
“Gostei muito, muito mesmo. Em relação ao nosso não tem como, não há comparação”, atirou.
A ministra da Saúde de Angola manifestou-se hoje impressionada com o atendimento, em Luanda, de cerca de 5.000 pacientes angolanos, assegurado em apenas uma semana por um navio-hospital da China.
Sílvia Lutukuta falava à imprensa, no final de uma visita guiada que realizou ao navio-hospital chinês “Peace Ark”, que chegou a Luanda no dia 19 deste mês e parte já esta quinta-feira, terminando a sua primeira passagem por Angola.
A governante angolana realçou a alta tecnologia existente naquela infraestrutura, com várias especialidades e com “uma prestação de serviços de top”, em termos médicos: “Tivemos a oportunidade de interagir com alguns angolanos que foram aqui atendidos e foram muito bem atendidos, alguns já com soluções imediatas após cirurgia, como por exemplo as cataratas e o que mais nos impressionou é que eles foram capazes de até ao momento atender cerca de 5.000 pacientes, das várias áreas”.
A titular da pasta da Saúde em Angola considerou a presença do navio-hospital chinês no país como uma oportunidade para abrir porta para outros tipos de parcerias, nas relações sino-angolanas, que considerou estarem “cada vez mais fortalecidas”, no domínio da área social, com a prestação de cuidados de saúde.
“Nós acreditamos que não será a última oportunidade, para ver também integrar alguns dos nossos profissionais neste curto período de tempo, para fazerem algum refrescamento, estarem em contacto com a melhor tecnologia existente nas várias áreas da medicina e será muito bom”, frisou.
Apesar de considerar preocupante o número de pessoas que acorreram nos últimos dias a esse serviço, a ministra salientou que a maioria dos pacientes procurou por consultas preventivas, sendo as de oftalmologia e medicina oral, as mais procuradas.
“Portanto, os 5.000 pacientes não são todos com doenças estabelecidas, alguns vêm, mas com a vertente prevenção”, referiu.
Reconheceu que Angola tem ainda um caminho longo a percorrer, no setor da saúde, por entre “muitas dificuldades”, quer financeiras quer de recursos humanos.
“Precisamos de equipar mais os nossos hospitais, mas muito já tem sido feito e nós temos que reconhecer que nós temos um longo caminho percorrido e com êxito, porque nós não tínhamos quase quadros nenhuns, vamos tendo médicos”, salientou.
Por sua vez, o diretor clínico do navio-hospital chinês, Sun Tao, disse que o número de pessoas superou as expectativas, estava previsto o atendimento de 500 pessoas por dia, mas chegou aos mil pacientes, a maioria com problemas ósseos, de odontologia e oftalmologia.
“Esperávamos cerca de 500 ou 600 pessoas, por dia, mas atendemos cerca de 1.000 pessoas, por isso, estes dias, os médicos fizeram consultas às pessoas, especialmente os médicos de cirurgia, faziam as consultas de dia e as operações à noite”, contou.
De acordo com Sun Tao, a língua foi a maior dificuldade encontrada no atendimento, mas superada com o voluntariado de alguns chineses residentes em Angola.
Após a passagem por Angola, o “Peace Ark” parte quinta-feira para a restante missão no continente africano, com paragens previstas em Moçambique e na Tanzânia.
A bordo do navio de 178 metros funcionam salas de raios x, uma unidade de cuidados intensivos com 20 camas, salas para exames ginecológicos, serviços dentários e até de medicina tradicional chinesa, além de um helicóptero para evacuação.
Só entre 2010 e 2015, em missões na Ásia, África, Américas e Oceânia, o “Peace Ark” prestou serviços médicos e de apoio humanitário a 120.000 pessoas, em 29 países.
Fonte: angola24horas.com