Por SOFIA LORENA 16 de Setembro de 2018
Não há medidas estruturais e os angolanos não viram as suas vidas melhorar no último ano. “Ainda vivemos de expectativas”, diz o opositor Filomeno Vieira Lopes. Nem todos acreditam que a mudança possa vir do MPLA.
João Lourenço tem feito discursos repletos de tudo o que a maioria dos angolanos quer ouvir. Há uma semana, no congresso do MPLA em que assumiu a presidência do partido no poder, a dias de completar um ano como chefe de Estado, prometeu promover os que, com “idoneidade”, ajudem a fazer “uma governação virada para os problemas da sociedade, economia e cidadãos”.
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Ora é precisamente isso que ainda não foi feito. A UNITA, principal força da oposição, fez este sábado um balanço do primeiro ano de governação de Lourenço para concluir que “Angola está pior” – a afirmação baseia-se em visitas a 90 municípios feitas pelos deputados do partido, explicou em Luanda a parlamentar Albertina Ngolo.
“O poder de compra das pessoas está cada vez mais em baixo, o kwanza perde valor a cada dia, o país não produz praticamente nada, o salário continua o mesmo, o rendimento médio por habitante em Angola é dos mais baixos de África”, enumerou Albertina Ngolo, acrescentando que grande parte da população continua sem acesso a água potável ou energia. “O país está cada vez mais subdesenvolvido, a taxa de mortalidade é assustadora.”
Emanuel Lopes, representante da UNITA em Portugal; Sédrick de Carvalho, activista e jornalista (um dos 15+2, os jovens condenados por rebelião em 2016); e Filomeno Vieira Lopes, economista e político, ligado ao Bloco Democrático (há um ano foi a votos na coligação CASA-CE), fazem uma leitura muito próxima desta. Já quando se lhes pergunta sobre os discursos de João Lourenço?, discordam entre si: Emanuel Lopes encaixa-os “na lógica propagandística do novo Presidente”, Vieira Lopes diz que começaram por servir para Lourenço “cimentar o seu poder dentro do MPLA” mas reconhece neles “uma vontade de mudar”.
O que João Lourenço tem concretizado são exonerações. O homem que substituiu José Eduardo dos Santos na cadeira que este ocupou por 38 anos começou por substituir chefias militares e dos serviços secretos, depois afastou os filhos do ex-Presidente dos cargos que lhes garantiam lucros e influência em áreas fundamentais da economia (a petrolífera Sonangol, onde estava Isabel dos Santos, ou o fundo soberano, dirigido por Filomeno dos Santos); seguiram-se governadores, cônsules e embaixadores, a cúpula do MPLA…
Benefício da dúvida
Se as acções visam levar os discursos à prática, estes afastamentos deveriam servir para corrigir os principais “males” que João Lourenço diz afectarem o país: “a corrupção, o nepotismo, a bajulação e a impunidade que se implantaram nos últimos anos e que muitos danos causaram à economia.” Mesmo que, garante, “tombem altos militantes e altos dirigentes” do Movimento Popular de Libertação de Angola.
Sédrick de Carvalho quer dar a Lourenço “o benefício da dúvida”, embora note que falta a sua própria mea culpa pelo “papel directo que teve no estado em que o país se encontra”, enquanto dirigente e ministro. Para já, diz ao PÚBLICO, “há claramente uma distância enorme entre os discursos e a prática; põe muita tónica na luta contra a corrupção, o nepotismo e a bajulação, mas depois rodeia-se de pessoas que são especialistas no estado que ele diz querer combater”.
Emanuel Lopes e Filomeno Vieira Lopes lembram episódios recentes de violência policial e sublinham que também nada mudou no comportamento dos funcionários públicos. “Não é possível obrigar um polícia a não pedir subornos quando ganha o equivalente a 30 ou 40 dólares”, diz Emanuel Lopes. “Num regime tão autocrático, basta as pessoas terem um bocadinho de liberdade para acharem que já têm muita. E as pessoas distraem-se e deixam a revolução de lado”, lamenta.
Vieira Lopes elogia a decisão de repatriar os restos mortais do general “Ben Ben”, antigo vice-chefe do Estado-Maior das FALA, que era o exército da União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA), como um passo no sentido da “reconciliação nacional”, mas Emanuel Lopes defende que esta medida faz parte do “circo” com que o regime vai manter a oposição “entretida durante meio ano”.
“Ben Ben” (como era conhecido Arlindo Chenda Isaac Pena), que morreu há 20 anos na África do Sul, já teve direito a ser sepultado no seu país; deve seguir-se Jonas Savimbi, o primeiro presidente da UNITA. “Não há dinheiro para nada mas o Governo fretou um avião para ir a Lisboa buscar a irmã de Savimbi”, Judith Pena, de 85 anos, e outros familiares, para participarem na recepção aos restos mortais de “Ben Ben”, diz o dirigente da UNITA. “Como não tem pão vai oferecendo circo.”
“Ainda não há mudanças estruturais nem muito menos impacto na vida das pessoas”, admite Vieira Lopes. “Ainda vivemos de expectativas mas parecer haver uma predisposição do Presidente para avançar e pôr fim ao absolutismo do passado”, defende. “As pessoas voltaram a ter esperança e isso é muito bom”, afirma Sédrick de Carvalho. O activista não sabe dizer se “as palavras de João Lourenço são genuínas”, mas quer acreditar que sim. O problema, nota, “é que, vendo bem, ele não tem muito com quem trabalhar”.
“Não existe ninguém impoluto naquele regime”, diz Emanuel dos Santos. “O MPLA renova no máximo 20% dos seus dirigentes a cada congresso. E esses 20%, quando chegam a lugares de destaque, já estão moldados ao modo de fazer as coisas dos mais velhos, já pensam da mesma maneira. A geração pós-Agostinho Neto [primeiro Presidente do país] está a sair agora. A geração que João Lourenço representa não fez uma ruptura profunda, as duas estiveram sempre muito próximas”, analisa.
A resiliência
E quanto aos jovens (mais de 60% da população tem menos de 25 anos), Sédrick de Carvalho olha para a recente substituição de governadores que levou ao poder, em Luanda Sul, o mais jovem governador de sempre no país: “Tem 39 anos, é o nosso jovem. Não acredito que a sua forma de abordar os assuntos não seja semelhante à dos mais velhos do partido.”
Filomeno Vieira Lopes diz que “há um grande caminho a percorrer”, enquanto Sédrick de Carvalho lembra que muitas pessoas têm de pagar subornos “para poderem inscrever os filhos na escola”. Em causa está uma mudança de mentalidades que nem todos acreditam que seja possível com o MPLA no poder. “O problema dos angolanos é serem muito resilientes, aprenderam a viver na miséria absoluta. A mandar os filhos para a escola com uma lata para se sentarem por não haver cadeiras”, descreve Emanuel Lopes. “E a chegar a hospitais sem medicamentos e com três pessoas numa cama, como acontece nas maternidades.”