By Maka Angola
A Comissão Nacional Eleitoral (CNE) esteve reunida ontem, das 18h00 às 1h20 da madrugada de sábado, para aprovar novas directivas sobre as eleições de 23 de Agosto.
Segundo dados recolhidos pelo Maka Angola, a CNE aprovou a directiva sobre a presença dos delegados de lista e atribuição de subsídios, que constituiu o maior pomo de discórdia entre os representantes do poder e da oposição.
Segundo a nova directiva, o delegado de lista – o representante de cada partido político concorrente em cada mesa de voto – “deve exercer a sua actividade apenas na mesa para a qual foi credenciado, não podendo haver revezamento entre o efectivo e o suplente, para não perturbar o normal funcionamento da mesa de voto”.
A oposição entende que, sendo o trabalho de fiscalização do delegado de lista de praticamente 20 horas seguidas no mesmo sítio, no dia das eleições, deveria haver revezamento pontual com o suplente, para, por exemplo, “ir à casa de banho sem receio de que as urnas sejam trocadas naquele momento, ou de que sejam adicionados votos”.
Esse receio é agravado pela constatação de que só o MPLA e a UNITA têm cobertura integral nas mais de 25 mil assembleias de voto instaladas em todo o país. Ao todo, os partidos políticos devem ter, credenciados, acima de 50 mil delegados de lista e suplentes. A nova directiva estabelece que o suplente deve permanecer fora da assembleia de voto.
Os representantes do MPLA na CNE justificam esta medida através de uma analogia do jogo de futebol : quando o substituto entra em campo, o titular já não pode retornar ao jogo. Mas esses mesmos representantes poderiam ter recorrido, em vez disso, a uma analogia do basquetebol, modalidade em que Angola é a indisputável campeã africana, com 12 títulos ou a do presidente e do vice-presidente.
Por outro lado, a CNE prorrogou o prazo de credenciamento dos delegados de lista, por menos de 24 horas, até às 23h59 de domingo.
A UNITA, o segundo maior partido, já tem mais de 41 mil delegados de lista credenciados, faltando perto de dez mil. Só em Viana, um dos novos bastiões eleitorais da UNITA, com 1449 mesas de voto, esta formação política tem mais de 800 delegados por credenciar em menos de 24 horas.
Credenciamento dos delegados de lista
A CNE criou um grande empecilho no credenciamento dos delegados de lista dos principais partidos da oposição, a UNITA e a CASA-CE. A Lei Orgânica das Eleições estabelece que os partidos políticos devem entregar as listas dos seus delegados até ao dia 23 de Julho. Entretanto, a CNE levou mais de uma semana a responder aos pedidos de credenciamento, tendo introduzido uma nova exigência, não prevista na lei, para o efeito.
A CNE instituiu que os partidos políticos devem digitalizar as listas dos seus delegados em Ipads fornecidos por esta instituição, incluindo fotografia, e passou mais quatro dias a formar os utentes. Em várias zonas do país, não há serviços de fotografia, mas essa questão está ultrapassada pela Lei, que estabelece a apresentação do número de registo eleitoral do delegado de lista, uma vez que o cartão de registo eleitoral é processado com fotografia tirada pelas brigadas eleitorais.
Fruto dessa manobra da CNE, em quase todo o país, registaram-se grandes atrasos no credenciamento dos delegados de lista da oposição. A função do delegado de lista é representar o partido político concorrente na mesa de voto; ele é o elemento fundamental para garantir a lisura e transparência na contagem dos votos. Quanto menos delegados da oposição nas mesas de voto, maior é a facilidade do regime em manipular os resultados.
A poucos dias das eleições, a CNE quer agora que os resultados sejam transmitidos directamente das assembleias de voto para a CNE municipal, sendo as actas-síntese acompanhadas somente pela Polícia Nacional. Ao nível municipal, os membros da CNE enviam-nas, então, para o Centro de Escrutínio Nacional em Luanda, sem apurarem os resultados municipais. Por sua vez, as províncias recebem os resultados computados a nível nacional e não dos seus respectivos municípios.
Um dos comissários da CNE explica ao Maka Angola que “a CNE entende que os municípios não precisam de somar os resultados apurados na sua jurisdição”.
Na reunião de ontem, vingou a posição do MPLA. Os municípios e as províncias não deverão apurar os resultados, contrariando a Lei Orgânica sobre as Eleições Gerais no seu artigo 123, n.º 2, e 131.
De acordo com a decisão da presidência da CNE, as actas-síntese serão transportadas para os centros de processamento municipais e dali enviadas por fax ao Centro Nacional de Escrutínio, em Luanda. Nas eleições passadas, os faxes foram enviados directamente das administrações municipais, sem qualquer fiscalização.
Segundo a lei, as actas-síntese devem ser transmitidas pela via mais rápida, que seria a electrónica. Cada assembleia de voto tem um Ipad com ligação à internet que pode realizar essa tarefa, mas a CNE determina que não.
No entanto, a decisão de última hora impõe que as mesmas sejam acompanhadas por efectivos da Polícia Nacional, junto com as actas das operações eleitorais, urnas, boletins não utilizados, nulos, etc. O grande problema é que as actas-síntese não são codificadas, podendo facilmente ser substituídas devido à falta de segurança. Os delegados de lista podem acompanhar pelos seus próprios meios, de acordo com a decisão.
A CNE procederá ao apuramento definitivo, conforme a reunião que vimos citando, com base nas actas-síntese, ao arrepio da lei que exige que o mesmo seja feito com base nas actas das operações eleitorais de cada mesa de voto.
A solução tecnológica montada para as eleições não permite o apuramento definitivo com base na lei, conforme o relatório de auditoria à CNE, sobre o qual falaremos em breve.
Os cadernos eleitorais
A 27 de Julho, a UNITA apresentou à CNE um memorando sobre as várias irregularidades que permitem antecipar que mais uma vez vai haver batota nas eleições. Já devia ter havido uma tomada de posição formal por parte da CNE, que permitisse um eventual recurso para o Tribunal Constitucional.
Sobre os cadernos eleitorais, a UNITA alega que “A Lei n.º 36/11 estabelece, no seu artigo 86.º n.º 5, que a Comissão Nacional Eleitoral deve iniciar a divulgação dos cadernos eleitorais até 30 dias antes da data marcada para as eleições”. Ou seja, a CNE devia ter começado a divulgar os cadernos eleitorais no dia em que começou a campanha eleitoral, a 23 de Julho. Mas não o fez, e não se deu ao trabalho de explicar porquê ou de informar em que data o faria.
Passados oito dias do prazo legalmente estipulado, e sem quaisquer explicações, a CNE começou finalmente a divulgar os cadernos eleitorais.
Os cadernos eleitorais foram preparados pelo Ministério da Administração do Território (MAT), até então liderado pelo candidato do MPLA a vice-presidente, Bornito de Sousa. Toda esta confusão dificulta um processo que deveria permitir aos cidadãos, atempadamente, corrigirem os erros e omissões constantes nos cadernos eleitorais, como ausência dos nomes nas listas, nomes repetidos, deslocalização dos lugares escolhidos no acto de registo para a votação, etc.
Quer isto dizer que, a menos de duas semanas das eleições, milhares de eleitores não sabem onde vão votar. Este facto tem duas implicações óbvias: ao não saberem onde vão votar, as pessoas desmobilizam-se; pode ter sido criada uma localização que dificulte a votação de populações menos atreitas a votar no MPLA, a poucos dias da votação, impedindo na prática o exercício do seu direito de voto.
Sejamos por isso claros: o atraso da publicação dos cadernos eleitorais com indicação do local de voto de cada um não é uma mera questão técnica, é um instrumento de controlo do voto por parte do partido do Governo, mobilizando ou desmobilizando sectores variados da população.
Outro aspecto que merece realce é o facto de, quanto às assembleias de voto, a UNITA ter identificado “erros no mapeamento, com assembleias omissas, deslocalizadas e, em certos casos, duplicadas, uma vez que para o mesmo local são apontadas duas assembleias de voto com numeração diferente ou duas com a mesma numeração situadas em dois pontos de instalação de assembleia de voto diferentes, localizados a uma considerável distância”.
A porta-voz da CNE, Júlia Ferreira, disse à imprensa que “a CNE tem conhecimento de que existem algumas inquietações em relação à divulgação das listas dos eleitores, relativamente aos locais onde vão exercer o seu direito de voto”.
“Cabe à CNE elaborar a planificação das Assembleias de Voto e a este respeito está a haver uma certa confusão entre os pontos de referência que foram indicados pelos cidadãos eleitores quando fizeram a actualização do Registo Eleitoral e novos registos e o mapeamento das Assembleias de Voto”., referiu a porta-voz.
Mais uma vez, pode ser alegado que se está perante mera incompetência dos serviços ou simples questões técnicas. Não é o caso.
O que ambos os casos — inexistência de cadernos eleitorais 30 dias antes do acto eleitoral e confusão na instalação das assembleias de voto – demonstram é a impossibilidade de, em tempo útil, as entidades independentes controlarem o modo como, no terreno, se vai processar o acto eleitoral: se as pessoas vão exercer o seu direito de voto no local que lhes é mais adequado ou são mandadas para 500 quilómetros de distância; se todos constam efectivamente dos cadernos; quais são assembleias de voto e onde se situam. Nada disto se sabe atempadamente.