Fonte: Maka Angola
Já é ponto assente que João Lourenço começou o seu mandato presidencial de forma surpreendente e afirmando um poder e determinação que poucos esperavam. Contudo, o exercício da Presidência é um caminho com vários momentos e questões fundamentais, e não se esgota num momento inicial.
Uma das questões fundamentais, e que tem impedido o desenvolvimento económico de Angola, é a insegurança jurídica com que se deparam os investidores estrangeiros. Não raras vezes, um investidor não angolano vê-se privado do seu investimento, do seu dinheiro e dos seus bens pelos “sócios” angolanos, geralmente ministros ou generais, não conseguindo apelar para a justiça ou tribunais nacionais, que estão sempre sob controlo desses mesmos ministros ou generais. Esta história tem-se repetido inúmeras vezes.
É neste contexto que se enquadra um caso que tem sido amplamente reportado pelo Maka Angola. Em causa está, por um lado, a actuação do general António Francisco de Andrade e dos seus filhos, do capitão Miguel Andrade e da procuradora da República Natasha Andrade, e, por outro lado, os interesses lesados do investidor Chris Sugrue.
Depois de ter tentado resolver a questão em Luanda – onde enfrentou a constante conivência das autoridades angolanas com os actos legais do general António Andrade e dos seus filhos, especialmente por parte da procuradora Natasha Andrade, respaldada pelo seu superior hierárquico, João Maria de Sousa –, Chris Sugrue teve de recorrer aos tribunais dos Estados Unidos da América.
Assim, deu entrada no passado dia 15 de Novembro de 2017, no Tribunal do Distrito de Colúmbia dos Estados Unidos da América, uma acção proposta pela Africa Growth Corporation (AGC), empresa com sede nos Estados Unidos, contra a República de Angola, o general Higino Carneiro (enquanto antigo Governador de Luanda), o general João Maria de Sousa (enquanto procurador-geral da República), o general António Francisco de Andrade e os seus filhos Miguel e Natasha Andrade.
A empresa americana diz, utilizando linguagem popular, que foi vigarizada e roubada em mais de 55 milhões de dólares pelo general e sua família, com a cumplicidade e cobertura dos órgãos do Estado angolano, designadamente o Governo Provincial de Luanda e a Procuradoria-Geral da República.
Assim, temos uma situação em que os desmandos de cidadãos angolanos colocam em causa toda a credibilidade da República.
Como é que um investidor estrangeiro vai colocar o seu dinheiro em Angola, sabendo que pode ficar sem ele e que não quaisquer mecanismos para se defender? É este o teste internacional a que Angola está neste momento a ser submetida nos tribunais norte-americanos.
Na acção judicial contra Angola e os indivíduos referidos, a AGC alega que investiu em Angola com boa-fé, no pressuposto de que Angola observava e aplicava as suas próprias regras de direito e protegia os direitos dos investidores estrangeiros. E conta que, em Janeiro de 2015, adquiriu legalmente em Luanda determinadas propriedades imobiliárias e comerciais, cujos títulos registou. A AGC geriu vários complexos de apartamentos nessas propriedades, que foram posteriormente arrendadas a residentes angolanos e a funcionários de empresas estrangeiras que operam em Angola.
Acontece, segundo a empresa americana, que os réus conspiraram para usar documentos fraudulentos, com a cobertura do governo angolano, intimidação e força de armas. E através desses meios obtiveram o controlo da empresa em Angola, assim conseguindo apreender, expropriar e transferir ilegalmente os bens americanos para o nome da procuradora angolana Natasha Andrade. Mais, afirma a proponente da acção judicial que esses actos foram tomados em clara violação do direito angolano e internacional e auxiliados e encorajados pelos governantes angolanos. Neste caso, Higino Carneiro e João Maria de Sousa.
A AGC acusa os réus de terem tomado as suas propriedades em Angola sem qualquer compensação, de forma discriminatória e sem o devido processo legal, e que ao tomarem as suas propriedades os réus exerceram discriminação com base na nacionalidade dos accionistas da AGC, em violação do direito internacional.
Consequentemente, a queixosa requer ao tribunal americano que proceda de acordo com a lei para recuperar o valor dos bens desviados a favor do general Andrade e família, com a cumplicidade do procurador-geral João Maria de Sousa e o (ex)-governador de Luanda, Higino Carneiro.
Neste sentido, e se o tribunal americano der como provadas as alegações da empresa AGC, pode ser ordenada a apreensão nos Estados Unidos, e em países com os quais os EUA tenha certos acordos de cooperação em matéria judicial, de bens pertencentes ao Estado angolano, ao general Higino Carneiro, ao general João Maria de Sousa e aos Andrades.
O mau funcionamento das instituições angolanas criou assim um problema internacional. Se o Ministério Público angolano funcionasse e não protegesse os seus, se os tribunais angolanos funcionassem, não caberia a um tribunal norte-americano encarar uma intervenção deste género.
É esta a relevância nacional e política deste caso judicial. Na realidade, estamos perante um caso-teste para o funcionamento das instituições angolanas e da seriedade do novo presidente da República. Será que o Estado angolano – representado pelo seu novo presidente – é capaz de garantir que a Justiça funcione e que as pessoas possam defender os seus direitos?