CARTA ABERTA
Ao
Excelentíssimo Sr. João Manuel Gonçalves Lourenço
Presidente da República de Angola
Luanda: 14 de Alril de 2022
Assunto: Obstruções ao Exercício do Direito à Manifestação em Angola
Excelência, Sr. Presidente,
A Friends of Angola (FoA) recebeu com grande preocupação notícias sobre as mais recentes agressões e detenções em Luanda de 26 jovens manifestantes no dia 9 de Abril de 2022. Entre as pessoas detidas estavam três senhoras e uma criança de 7 meses. As provocações, agressões e detenções aconteceram quando as cidadãs e cidadãos se preparavam para se manifestarem com o propósito de exigir a “libertação de presos políticos, o afastamento da empresa INDRA das eleições Gerais de dois mil e vinte e dois e o fim do conflito Militar em Cabinda.”
As cidadãs e cidadãos que se preparavam para iniciar a manifestação, de conformidade com o que a lei que regula o exercício do direito de manifestação estabelece, reuniram-se pacificamente e sem armas, portando apenas telemóveis e identificação pessoal, Bilhete de Identidade, tal como consta no Auto de Apreensão em anexo.
Segundo o Auto De Notícia emitido pelo Ministério do Interior, Delegação Provincial de Luanda, 3769/2022, DCC, os 26 jovens e uma criança de 7 meses foram detidos “por terem incorrido na prática dos crimes de Participação em Motim, previsto e punível pelo art. 298 e de Desobediência à Ordem de Dispersão de Ajuntamento, previsto e punível pelo artigo 300, ambos do Código Penal.”
Como referência lembramos aqui que no passado, em 25 de outubro de 2020, a organização Amigos de Angola (FoA) pediu ao Presidente Lourenço que parasse com a violência contra manifestantes pacíficos e libertasse todos os detidos ilegalmente em Luanda. Infelizmente, menos de um mês depois desse pedido, a polícia angolana voltou a usar munições reais contra manifestantes pacíficos. Como resultado, um jovem manifestante, Inocêncio Matos, foi morto na Avenida Brasil, em Luanda.
A preocupação da FoA, de entre outros aspectos extremamente perniciosos, baseia-se na constatação doretrocesso galopante da incipiente e muito frágil democracia angolana. Retrocesso fortemente evidenciado por actos com que as autoridades vêm sistematicamente reduzindo as liberdades de imprensa, de pensamento, de expressão e de manifestação.
É relevante também constatar a diferença de tratamento pela Polícia Nacional de manifestantes dos partidos políticos e de manifestantes da Sociedade Civil. Essa comparação revela que oficiais e agentes da Polícia Nacional procedendo à margem da lei, conduzem-se como se a realização livre de manifestações pacíficas [sem que se tornem alvos da provocação de turbulência por oficiais e agentes da Polícia nacional] seja o exercício de um direito reservado aos dirigentes, membros e apoiantes de partidos políticos. Direito que, como as evidências demonstram, tem sido particular e especialmente garantido aos dirigentes, membros e apoiantes do partido no poder, o MPLA.
Afirmamos novamente que Angola, para além de ter ratificado tratados internacionais, consagra na sua Constituição que todos os preceitos constitucionais e legais relativos aos direitos fundamentais devem ser interpretados e integrados em harmonia com a DUDH, a Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos e outros relevantes tratados internacionais (art. 26, no. 2, CRA). A liberdade de reunião está consagrada na Constituição da República de Angola (CRA) no artigo 47.º.
A Friends of Angola chama a atenção para o facto de as violações dos Direitos Humanos e da Constituição angolana estarem a ter como efeito, obviamente propositado, a deterioração com recurso ao terror da estabilidade política e social.
Essa deterioração tem um carácter evidentemente subversivo e efeitos extremamente graves por decorrer da prática daqueles que estão investidos do poder e do dever de salvaguardar a ordem, proteger as pessoas e as instituições.
Chamamos aqui a atenção de todas e todos para o facto de essa subversão da ordem democrática constitucionalmente estabelecida decorrer quando o país se encontra num momento muito sensível, como é o período imediatamente anterior às eleições gerais, cuja realização, como se prevê, deverá decorrer durante o mês de agosto deste ano num ambiente de elevadíssima tensão política.
Em consequência, pelo império da Lei e da justiça, a FoA exige que as competentes autoridades judiciais angolanas e da comunidade internacional iniciem investigações rigorosas com o objetivo de levar a tribunal os mentores, mandantes e executantes da provocação policial, agressão e detenção abusiva de manifestantes pacíficos no sábado 9 de Abril de 2022.
A impunidade não deve poder continuar a ser garantida a oficiais e agentes da Polícia Nacional que, com evidente propósito político, vêm cometendo abusos de autoridade contra cidadãs e cidadãos. Esses oficiais e agentes devem ser investigados, acusados e julgados pelas violações dos direitos humanos que vêm cometendo e que, enquanto agentes servidores do Estado, devem ser as primeiras pessoas a respeitar e defender, fazendo com que o respeito pelos direitos humanos seja efetivamente garantido a todas as cidadãs e cidadãos angolanos e ou residentes em Angola.
Atenciosamente,
Florindo Chivucute
Director Executivo da Friends of Angola