27 de Abril de 2020
A Sua Excelência, Presidente da República de Moçambique, Filipe Jacinto Nyusi
Avenida Julius Nyerere, PABX 2000
Maputo, Moçambique
Excelência,
Carta aberta sobre a preocupante deterioração da situação de direitos humanos na província de Cabo Delgado, no norte de Moçambique
Nós, organizações da sociedade civil abaixo assinadas, desejamos expressar a nossa profunda preocupação com o agravamento na situação de direitos humanos no norte de Moçambique, em particular no que respeita aos relatos de violência contra civis pelas forças de segurança estatais, nomeadamente a Unidade de Intervenção Rápida (UIR) e o Grupo de Operações Especiais (GOE), assim como de assédio e intimidação por estas mesmas forças a grupos da sociedade civil (OSC) e a jornalistas, simplesmente por fazerem o seu trabalho na região. Estamos especialmente preocupados com o desaparecimento forçado, em 7 de Abril de 2020, do jornalista de rádio Ibraimo Abú Mbaruco, que, na sua última comunicação conhecida, disse estar “cercado por militares”.
Embora partilhemos a séria preocupação do governo moçambicano com a prolongada crise de segurança em Cabo Delgado, que nos últimos meses teve uma escalada alarmante de violência contra os residentes e as infra-estruturas estatais , e reconheçamos que o governo tem o direito e o dever de velar pela segurança dos seus cidadãos, protegendo-os de ataques de insurrectos, reiteramos que uma estratégia eficaz de combate ao terrorismo deve respeitar e afirmar os direitos humanos, incluindo o direito de liberdade de expressão e o direito de liberdade de imprensa.
Em 7 de Abril de 2020, Mbaruco, um jovem jornalista e apresentador da Rádio Comunitária de Palma, foi dado como desaparecido. Foi vítima de desaparecimento forçado pouco depois de sair do trabalho, cerca das 18h00, depois de enviar uma mensagem de texto a um colega, dizendo que “estava cercado por militares”. Desde então, ninguém mais viu Mbaruco nem teve notícias dele. O seu desaparecimento espelha o caso do jornalista Amade Abubacar, que foi preso em Janeiro de 2019 por soldados e detido arbitrariamente em regime de isolamento por três meses.
Têm circulado imagens perturbadoras de forças de segurança estatais, da UIR e do GOE, a mandar parar e a agredir transeuntes do bairro Paquitequete, na cidade de Pemba. Em 14 de Abril de 2020, forças da UIR e do GOE detiveram por duas horas o jornalista da STV em Pemba, Hizidine Achá, confiscaram o seu telemóvel e obrigaram-no a apagar imagens da sua câmara. As imagens mostravam os agentes a bater em pessoas. As agressões brutais aos cidadãos violam directamente o direito à vida, à integridade física e mental e a não ser sujeito a tortura ou outros maus-tratos, tal como garantido no Artigo 40 (1) da Constituição de Moçambique.
Recentemente, em Março de 2020, foi relatado que as Forças de Defesa e Segurança (FDS) estavam a efectuar “raides” contra residentes nos nove distritos afectados no norte de Moçambique, mandando parar e interrogando pessoas, sujeitando-as a revistas arbitrárias e prendendo todas as pessoas cujos dispositivos electrónicos contivessem mensagens áudio ou informação relacionada com os ataques no WhatsApp, Facebook ou Twitter. Funcionários de organizações não governamentais e jornalistas têm sido os alvos preferenciais destas acções.
Estes “raides”, assim como as frequentes restrições impostas aos jornalistas que tentam divulgar a situação na região, corroboram a conclusão de que estão em curso esforços deliberados para limitar o acesso à informação sobre a dimensão da crise em Cabo Delgado. Recordamos respeitosamente ao governo de Moçambique o papel crucial que o direito à liberdade de expressão e o direito à liberdade de imprensa podem desempenhar na promoção da igualdade, no combate à intolerância e na divulgação da informação ao público.
As forças de segurança impuseram recentemente um recolher obrigatório não declarado, e portanto injustificado, entre as 19h00 e as 05h00, em Pemba, afirmando que os residentes de Paquitequete escondem “rebeldes”, permitindo-lhes infiltrar grupos de deslocados internos que têm fugido de ataques nas áreas vizinhas de Mocímboa da Praia, Macomia, Quissanga, Quirimbas e Ilha do Ibo. Foi também reportado o recolher obrigatório nocturno na cidade de Palma.
Existe uma crise em Moçambique que está a aumentar cada vez mais de sofisticação. Desde que a violência estalou, em 2017, foram mortas mais de 900 pessoas e centenas de milhares foram deslocadas. A crise humanitária foi exacerbada pelos efeitos persistentes do ciclone Kenneth e agora pelos desafios lançados pela pandemia global da Covid-19. É preocupante verificar que a resposta de Moçambique às ameaças dos rebeldes tem sido manchada por alegações de abusos e violações dos direitos humanos, nomeadamente execuções extrajudiciais, prisão arbitrária e negação de acesso à informação sobre o que está a acontecer em Cabo Delgado. Não surpreende pois que isto tenha resultado em preocupações de alienação e desconfiança no seio das comunidades. Fazemos eco das advertências da Sra. Fionnuala Ní Aoláin, Relatora Especial das Nações Unidas para a Promoção e Protecção dos Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais no âmbito da Luta contra o Terrorismo, “[muitos programas de prevenção do extremismo violento em todo o mundo estão a contribuir directamente para violações de direitos humanos e poderão mesmo fomentar a radicalização em vez de a prevenir.”
À luz do acima exposto, apelamos vivamente às autoridades moçambicanas para que se abstenham de assediar e intimidar as pessoas e as OSC, nomeadamente os funcionários das organizações não governamentais e os jornalistas. Instamos também as autoridades a lançar uma investigação imediata, completa, imparcial e eficaz às alegações de violações e abusos de direitos humanos cometidos pelas forças de segurança e a apresentar à justiça todos os suspeitos da sua autoria. Recomendamos ainda fortemente que Moçambique adopte medidas proactivas para proteger os seus cidadãos do uso excessivo da força pelas forças de segurança. Apelamos especificamente às autoridades moçambicanas para que procedam a uma investigação imediata, completa e eficaz ao desaparecimento forçado do jornalista Ibraimo Abú Mbaruco e para que sejam transparentes nestas diligências. Em casos de prisão e detenção de indivíduos suspeitos de actividade terrorista, exortamos as autoridades a assegurar a aplicação plena do processo jurídico devido, incluindo garantias tais como o direito a ser informado da acusação formal, o acesso a representação legal e a ser presente a tribunal no prazo de 48 horas. Apelamos, por fim, às autoridades moçambicanas para que tomem medidas concretas no sentido de adoptarem uma abordagem de direitos humanos na sua luta contra a insurreição em Moçambique, em particular no que respeita ao direito de liberdade de expressão e de acesso à informação.
Agradeço a atenção de V. Ex.ª para estas matérias de importância crucial.
Atentamente,
Africans Rising
Amnesty International
Associação Dos Jornalistas De Cabo Verde – AJOC
Centro Democracia e Desenvolvimento (CDD)
CIVICUS
Committee to Protect Journalists (CPJ)
Friends of Angola
Federação de Jornalistas de Língua Portuguesa – FJLP
Federação Nacional dos Jornalistas – FENAJ, Brasil
International Press Institute (IPI)
Media Institute of Southern Africa
OMUNGA
Reporters Without Borders (RSF)
Solidariedade Moçambique (SOLDMOZ-ADS)
Southern African Human Rights Defenders Network
Southern Africa Litigation Centre (SALC)
The African Editors’ Forum (TAEF)